[Concursados para roubar]
Mais uma vez, gostaria de tentar publicação neste portal; porque tenho um desabafo por minha própria decepção.
Estudei duramente para conseguir meu colegial, e quando pensei em fazer meu concurso, primeira orientação foi que deveria abandonar toda minha raiz, minha história e meus amigos, pois polícia não pode morar em área de influência do tráfico, mesmo leve como era a minha. Paralela ao colegial fiz curso preparatório, entrei pra academia de aptidão fisica, gastei muito dinheiro, e na loucura do tiro no escuro, sem saber o que me aguardava de verdade, fui voluntariamente ao curral, e feliz da vida comemorei com minha noiva, quando me transformei no mais novo escravo, integrante do corpo da polícia penal. Não sou o único cego, desorientado e iludido na sociedade, que ainda busca a coleira da CLT. Imagina investir tanto, para depois se posicionar sem direito algum, recebendo ordens de quem é mais cego do que eu. Hoje, 2022, ganho 3.800,00; e toda minha história é: pega chave, abre cadeado, puxa ferrolho, abre porta; bate porta, puxa ferrolho, encaixa cadeado, aperta cadeado. Repetimos esse louco e mecânico movimento, podendo atingir cento e trinta vezes. Este é o maravilhoso resultado dos meus esforços: estudos, cursos, treinamento, pagamento de taxa, e concurso.
Vale ressaltar que não posso morar em comunidades, e se minha, esposa hoje, não trabalhar, não podemos pagar o aluguel, e menos ainda, dar o básico para a casa que moramos, além de sermos sentenciados a tristeza de um único filho, porque é o que podemos sustentar. Nossos passeios são sempre organizados pela ideia de quanto vamos gastar, e de preferência, quem pode distribuir a carona. Que contraste vivo hoje, 18 anos após a alegria de ter passado no concurso.
Estou escrevendo este desabafo porque hoje, todos os meus pensamentos buscam uma porta de escape deste buraco no qual eu vivo. A se eu pudesse voltar no tempo e aceitar o convite de um amigo, que tanto me chamou para vendermos hamburgue.
Este, possui já o seu trailler e tem plataformas em aplicativos de vendas, tem carros para ele e sua esposa, tem casa própria, pode morar onde quiser, e depois de pagar todos os funcionários, sua conta registra todo mês o saldo de 18 a 22 mil reais, sem sequer se preocupar com nenhum dos maiores impostos. Não sei se ainda encontro forças para abandonar o curral no qual eu vivo; minha alma clama liberdade.
No Complexo onde sou plantonista vejo cenas horríveis. Quando decidem fazer “vistorias” em busca de celulares, os direitos humanos são assassinados diante dos olhos de todos, mas presos não tem direito algum. Mesmo como testemunho, nem todos são bandidos. Temos pessoas de 68, 70, 75 anos, portadoras de várias necessidades especiais que não são respeitadas, e para serem, deveriam estar na domiciliar, o que ditatorialmente lhes é negado.
Aqui não são todos bandidos com certeza, como iludidamente pensa a sociedade também cega, levados pelas notícias aliançadas com delegacias, MP do Rio, e o próprio Legislativo. Essas televisões do Rio de Janeiro deveriam ser responsabilizadas por suas reportagens sensacionalistas, porque quando a poeira abaixa, nada é como disseram.
Esses dias presenciei uma vistoria no Complexo, e vi idosos, sem camisa, no frio de junho, as 22 horas, serem postos na espera, em um cenáculo frio, enquanto suas coisas nas celas eram completamente reviradas. Esta “vistoria” é feita de surpresa, e para tanto, junta-se o contingente que esteja de folga, pra que somem nesta vistoria, onde as celas serão vistoriadas.
Agora pasmem! Pessoas estudadas, agente públicos que adoram ser chamados de polícia, prestaram concurso, e agora, ao adentrarem as celas de gente completamente indefesa, ousam e mostram suas verdadeiras faces criminosas, e de qual lado sempre estiveram: todo dinheiro (que é permitido) que encontram eles roubam (eu disse roubam, são ladrões). Todo equipamento dos idosos, como aparelhos e máquinas de controle de diabetes, são instantaneamente furtados; e até os controles da TV (permitido), também são roubados, sem que o preso, pela ausência do poder público, não tem onde reclamarem, porque não há por nenhum complexo a presença de um órgão para se reclamar; porque preso não tem direito algum.
O que vejo nos complexos:
Milicianos, traficantes, autores de chacinas, ex-policiais; mas vejo tambem, muitos, muitos presos por terem enriquecido, e como isto desagrada, visto que dinheiro é uma poderosa arma, gerou a prisão de gente que nunca pegou em arma alguma. Temos presos pela incompetencia do primeiro registro feito por delegados, e amparados pelo MP/RJ (atenção: nunca se apresente em uma DP sem um advogado). Nas minhas convocações vi muitos horrores, e em constantes investidas, pensando estar junto a um colega de trabalho, estava na verdade ao lado de um ladrão de coração completamente incensível; porque até velhos e idosos roubam, tal como vemos nas televisões. Inclusive, o grande pastor Tupirani, encontra-se detido por suas insuportáveis palavras de verdade.
Em minha última incursão de vistoria, vi meus “companheiros roubarem dinheiro praticamente de todas as celas, era cem, duzentos, trezento e quatrocentos, e ao final estava contabilizado cerca de 7.000,00 (sete mil reais) por apenas uma noite de assalto. Todos eram constrangidos a fazerem parte da partilha, a fim de que fossem impedidos de falarem, mas ao chegar em casa queimava este dinheiro maldito. Nunca usei. Espero um dia sair desta desgraça.
Solicito publicação.
[A VOZ CONTINUA]
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